[RESENHA] O Oceano no Fim do Caminho

Autor: Neil Gaiman
Editora: Intrínseca
Páginas: 208
Ano: 2013
Classificação: 5/5
Sinopse: Foi há quarenta anos, agora ele lembra muito bem. Quando os tempos ficaram difíceis e os pais decidiram que o quarto do alto da escada, que antes era dele, passaria a receber hóspedes. Ele só tinha sete anos. Um dos inquilinos foi o minerador de opala. O homem que certa noite roubou o carro da família e, ali dentro, parado num caminho deserto, cometeu suicídio. O homem cujo ato desesperado despertou forças que jamais deveriam ter sido perturbadas. Forças que não são deste mundo. Um horror primordial, sem controle, que foi libertado e passou a tomar os sonhos e a realidade das pessoas, inclusive os do menino. Ele sabia que os adultos não conseguiriam - e não deveriam - compreender os eventos que se desdobravam tão perto de casa. Sua família, ingenuamente envolvida e usada na batalha, estava em perigo, e somente o menino era capaz de perceber isso. A responsabilidade inescapável de defender seus entes queridos fez com que ele recorresse à única salvação possível: as três mulheres que moravam no fim do caminho. O lugar onde ele viu seu primeiro oceano.

Neil Gaiman é sem dúvida um dos grandes autores da atualidade, vide Sandman, Stardust e Coraline, três de suas maiores obras, em que ele empresta seu talento à nossa imaginação. É impossível não se sentir imerso em um oceano sem fundo nem limites ou qualquer outra coisa que não nos faça parecer guiados por uma rédea, em um rumo previsível e chato de muitas histórias que lemos. Gaiman nos faz mergulhar em águas fantásticas e belas com suas tramas. Ele não nos dá o óbvio e sim o suficiente para sonhar.

O Oceano no Fim do Caminho é mais uma daquelas histórias que parecem simples, mas se destacam em meio a tantas outras. É uma história bela, singela, assustadora, melancólica, curta e direta, sem enrolação nem pretextos para seguir um rumo diferente.


A história nos é apresentada na visão do personagem principal, que não possui nome durante toda a narração. Em meio a um velório, sai em seu carro para visitar alguns lugares que fizeram parte de seu passado. Após fazer uma visita até a frente de sua antiga casa, ele ruma até o fim da estrada de terra na direção da fazenda das Hempstock, onde, quando criança, conheceu uma grande amiga. Lá ele encontra somente a velha senhora Hempstock, uma velhinha simpática e uma das personagens mais sensacionais de muitos livros que eu já li. É impossível não se sentir maravilhado com a aura que a personagem emana. Não só com a velha senhora Hempstock, mas também com Ginnie Hempstock e sua filha Lettie. Depois de uma breve conversa com ela, ele pede para ir ao “Oceano”, um lago nos fundos dos limites da fazenda. É ali que a história realmente começa, quando fazemos uma viagem no tempo e partimos para vivenciar os acontecimentos da infância do personagem sem nome.


A trama começa a se desenrolar quando o gato do personagem principal é atropelado e ele ganha um novo do homem que o atropelou. Pouco tempo depois, o mesmo homem é encontrado morto, no fim da estradinha de terra, dentro do carro de seu pai, na frente da fazenda Hempstock. A partir daí, coisas estranhas passam a acontecer com o pequeno garoto de apenas sete anos.
Eu não queria abrir aquela caixa. Queria sumir dali, desaparecer. Queria chorar a morte do meu gatinho, mas não podia fazer isso com gente por perto me observando. Queria viver meu luto. Queria enterrar meu amigo nos fundos do jardim, logo depois do anel de fadas de grama verdinha, dentro da caverna formada pelo arbusto de rododendros, atrás da pilha de aparas de grama, aonde ninguém além de mim jamais ia. p19
São com esses acontecimentos que as demais personagens são inseridas no contexto da história. Lettie Hempstock, que ele conhece alguns momentos depois de chegar ao local onde o carro se encontrava com o homem morto, parceira dos perigos que ele enfrenta e aquela que jurou protegê-lo de qualquer mal; a velha senhora Hempstock, que ele conhece quando é levado por Lettie até a fazenda em que ela mora; a mãe de Lettie, Ginnie Hempstock; e o “Oceano”, como é chamado o lago na fazenda Hempstock, que não deixa de ser um dos personagens, com grande importância na história e que dá sentido ao nome do livro. Temos outros personagens, como os pais, a irmã e a importantíssima Úrsula, a babá.

Deixa eu falar um pouco sobre o que são as Hempstock. As três são grandes personagens, mas o que mais impressiona nelas é o quanto são enigmáticas. São elas as responsáveis por trazer elementos fantásticos para a história, mas também são responsáveis por nos forçar a perguntar o que elas são. Elas são humanas? Como elas sabem de tudo isso? Elas conseguem usar magia? Pois é, esse é o trio Hempstock. Elas sabem de tudo o que acontece, sem elas terem precisado estar presente no local do acontecimento. Isso vai desde saber as razões para a morte do homem, até o que ocorre  na casa do personagem principal.
Era apenas um lago de patos, nos fundos da fazenda. Nada muito grande.
Lettie Hempstock dizia que era um oceano, mas eu sabia que isso não fazia o menor sentido. Lettie falou que elas haviam atravessado o oceano até ali, vindas da velha pátria. p.09
Não vou falar muito do que todos os personagens representam em “O Oceano no Fim do Caminho”, pois o livro é um dos mais abertos a diversas interpretações para todos aqueles que fazem parte da história, então pode acontecer de nem tudo ser o que parece. Além do mais, existe certa dificuldade em se comentar sobre personagens tão singulares sem soltar detalhes importantes do enredo, o que não é meu objetivo aqui. É um livro muito bem amarrado, encaixado para dar sentido a tudo que acontece. Como já disse, não existem enrolações, Neil Gaiman vai direto ao ponto em todas as passagens.

Outro ponto muito importante é o toque que esse livro tem de autobiografia. Isso já começa pelo fato do personagem principal não ganhar um nome e vai acompanhando a história em diversos pontos. Isso foi intencional é claro, Neil Gaiman é um grande escritor e sabe o que fazer. Mas se isso é um retrato do que foi a sua vida, vamos ficar sem essa resposta.

A construção da trama pode parecer devagar no começo e frustrar, mas não dura muito e o livro nos dá o que promete ao longo das páginas. Quanto mais lemos, mais queremos saber o que acontece. Ele desperta em nós o terror, o medo, as lembranças de uma infância e muito mais. Úrsula é a grande responsável por despertar parte desses sentimentos, muito pelo que ela representa, pelas suas ações, pela forma de se portar e falar. É ameaçadora, mas tem um toque de elegância e superioridade. Todos os personagens possuem seus detalhes que lhes dão mais ou menos carisma. É isso que fez muitos amarem o que Gaiman escreveu.


O Oceano no Fim do Caminho é como dizem os leitores, uma fábula que nos mostra a realidade de uma maneira fantasiosa, assustadora, melancólica e claro, bela. Em palavras que se encontram no próprio livro, na “orelha” da capa, é [...] um raro entendimento daquilo que nos torna humanos e mostra o poder que as histórias têm de revelar e, ao mesmo tempo, de nos proteger dos perigos dentro e fora de nós. [...]

Há quem diga que a história e todos os acontecimentos não passam da imaginação do garoto e que tudo que acontece é representado por meio de metáforas. Tudo representa algo do passado de um homem, que de certa forma, se sentia atormentado por certas coisas acontecidas na sua infância. Mas não entrarei em detalhes aqui. Se quiserem entender as metáforas e diversos pontos que a história de “O Oceano no Fim do Caminho” deixa implícita, visite alguns links que deixarei no final desse texto. Alertando que eles conterão spoilers do livro.

Para encerrar, tenho que dizer que este é um dos melhores livros que já li (não à toa é considerado o melhor de 2012 (ano de seu lançamento oficial) dentro e fora do país) e, apesar de toda a sua carga muitas vezes assustadora, também é o mais belo. As mensagens, o que ele representa, as escolhas dos personagens, tudo, absolutamente tudo, é bem pensado, bem retratado e muitas vezes enxergamos partes de nossa infância dentro do que acontece no livro. Neil Gaiman nos dá de presente um oceano de maravilhas e lembranças quando lemos essa grande obra. Leiam o “Oceano no Fim do Caminho”.

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Até a próxima resenha!

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