[RESENHA] A Menina Submersa: Memórias

Autor: Caitlín R. Kiernan
Editora: DarkSide Books
Páginas: 320
Ano: 2014
Classificação: 5/5
Sinopse: 'A Menina Submersa - Memórias' é um verdadeiro conto de fadas, uma história de fantasmas habitada por sereias e licantropos. Mas antes de tudo uma grande história de amor construída como um quebra-cabeça pós-moderno, uma viagem através do labirinto de uma crescente doença mental. Um romance repleto de camadas, mitos e mistério, beleza e horror, em um fluxo de arquétipos que desafiam a primazia do 'real' sobre o 'verdadeiro' e resultam em uma das mais poderosas fantasias dark dos últimos anos. Considerado uma 'obra-prima do terror' da nova geração, o romance é repleto de elementos de realismo mágico e foi indicado a mais de cinco prêmios de literatura fantástica, e vencedor do importante Bram Stoker Awards 2013. A autora se aproxima de grandes nomes como Edgar Allan Poe e HP Lovecraft, que enxergaram o terror em um universo simples e trivial - na rua ao lado ou nas plácidas águas escuras do rio que passa perto de casa -, e sabem que o medo real nos habita. O romance evoca também as obras de Lewis Carrol, Emily Dickinson e a Ofélia, de Hamlet, clássica peça de Shakespeare, além de referências diretas a artistas mulheres que deram um fim trágico à sua existência, como a escritora Virginia Woolf.



“Começo a escrever essa resenha ao som de ‘Your Hand’ uma das mais diversas músicas citadas ao longo de todo o livro.” Eu digitei.

Assim que eu vi a capa desse livro eu pensei: “tenho que ler”. Não li sinopse, não li nada sobre, antes de tudo isso eu já estava decidido. Demorou um pouquinho para que eu pudesse comprá-lo, mas enfim, já está em mãos, devidamente lido e devidamente admirado.


“A Menina Submersa” conta a história de India Morgan Phelps (Imp), esquizofrênica, filha e neta de esquizofrênicas que se suicidaram. Imp já é adulta, então vive uma vida independente, ciente de sua condição mental. 

A própria Imp nos conta sua história. Um livro dentro de um livro. Um livro escrito de maneira que tenhamos que decidir entre acreditar ou não no que é ou não real dentre todos os pensamentos que a personagem transborda ao longo das páginas. Quer uma outra maneira de ler a história? Não tem, é só essa. Você decide se o que ela nos conta é ou não confiável.

"Isso é mais importante do que pode parecer à primeira vista." Datilografou Imp. As teclas emperraram, e ela teve que parar para soltá-las e manchou os dedos das duas mãos com tinta. "Dualidade. A mutabilidade da carne. Transição. Ter de esconder o seu eu verdadeiro. Máscaras. Segredos. Sereias, lobisomens, gênero. As reações que podemos ter diante da verdade das coisas, diante da expressão mais sincera de alguém, diante de fatos que ocorrem contra as nossas expectativas e os nossos preconceitos. Confissões. Metáforas. Transformação. Por isso, é muito relevante. Não apenas uma conversa casual na hora do café. Não deixa nada relevante de fora. Por mais trivial que possa parecer.     p.51"

Mas o que fez Imp escrever sua própria história, cheia de pensamentos desconexos e confusos? Simples, um único passeio de carro, à noite, foi o suficiente. Ela sai para tomar um ar dirigindo, enquanto sua namorada fica em casa com o trabalho de escrever resenhas de jogos. Até que a uma certa altura da rodovia em que ela se encontrava, Imp encontra uma garota na beira da pista, nua, molhada e a leva para casa. Eva Canning, uma garota, uma sereia, um lobo, a razão de Imp escrever o livro e enfrentar as maiores crises mentais que ela viria a enfrentar na sua vida. Eva é literalmente, a razão desse livro existir. Que história ela nos contaria sem Eva? Não faço ideia, mas não seria a mesma coisa.


Caitlín fez um trabalho primoroso com “A Menina Submersa”. Não só com a história que ela nos conta, de uma maneira tão natural, tão pessoal, mas também sombria e fantástica, complexa, com uma imersão profunda dentro dos dilemas mentais da personagem, seus medos e suas angústias. Contar uma história de dentro da mente de um esquizofrênico de maneira tão convincente justifica bem o porque desse livro ser considerado uma obra prima da Fantasia Dark mais recente. 

Não dá pra esquecer também todos os demais assuntos e referência de que a autora trata com convicção e frequência, sem cansar de maneira alguma a leitura. Desde pinturas, arte em geral, música, referências literárias, até questões de opção sexual, tema amplamente abordado ao longo da narrativa. Experimente ler e não sentir a vontade de conhecer mais de cada música que o livro cita (No momento escuto Second Hand News, de Fleetwood Mac), mais de cada quadro citado, até mesmo os ficcionais, que é uma pena que fiquem só na ficção. A autora transmitir a história sombria por trás de Fecunda Ratis, sendo que o quadro sequer existe foi genial. Tanto isso quanto praticamente tudo dentro do livro é genial, seja criado para o universo representado ali dentro, ou existente no mundo real.

"Com frequência, digo coisas que apenas gostaria que fossem verdade, como se soltar as palavras no mundo pudesse fazê-las assim. Pensamento positivo. Pensamento mágico, parte e parcela da minha mente doente. Digo coisas que não são verdade porque preciso que sejam verdade. É isso que os mentirosos e as pessoas tolas fazem.     p.146"


De maneira alguma a falta de uma linha narrativa atrapalha a história. Só simplesmente acostume-se à forma com que a mente de Imp funciona. Ela vai cortar uma história e em certo ponto ela para e vai pra outro lugar que ela julgue importante naquele momento. Em algum momento ela vai voltar para um ponto antigo.

E os personagens? Sensacionais, é o que digo. Imp, que tornou-se uma das minhas favoritas, por sua mente complexa, seu jeito de ver as coisas, por falar o que pensa e se arrepender logo em seguida. Abalyn, a namorada, gamer, escritora de resenhas sobre jogos, capaz de compreender Imp até em momentos difíceis, até mesmo longe dela. Eva, a alma desse livro, a razão de Imp nos contar essa história tão diferente, a sereia, o lobo, o fantasma, o amor de Imp, mesmo que seja um amor muito diferente de se compreender. E os outros, como a psiquiatra, a mãe e a avó de Imp, mesmo mortas. Todos bem representados, com suas características marcantes, não importa se estão vivos ou mortos, se aparecem muito ou pouco.

"Uma estrada escura no interior, na parte leste de Connecticut. Outra estrada escura ao lado de um rio em Massachusetts. Uma mulher que se chamava Eva Canning, que poderia ter sido um fantasma, um lobo, uma sereia, ou, talvez, muito provavelmente, nada que jamais tenha um nome."

Para alguns deve ser um livro difícil de se ler. É um livro de leitura gradual. A questão é se acostumar com a mente de Imp e deixar que ela lhe leve para passear. Nesses passeios, vamos por cada ponto do livro, cada beco sombrio, cada canto mais escuro de sua mente confusa, cada quadro retratado e suas histórias. 


E aqui finalmente eu coloco o ponto em que eu comento sobre as edições da DarkSide. Gente, o trabalho da editora foi fantástico. Conseguir transmitir tudo isso em uma tradução imagino que não seja uma tarefa fácil. Sem contar no projeto gráfico. Capas com pessoas nelas são difíceis de agradar, mas essa nos convida sem precisar ler sequer a sinopse. Internamente, tudo como sempre. Apesar de ser um trabalho bem mais simples em relação à outras obras da editora, os detalhes psicopatas continuam lá. Parabéns a todos os envolvidos no processo de trazer esse livro para nós. Obrigado DarkSide.

Forte, psicológico, romântico, fantástico, confuso, surreal, são só algumas das palavras que eu poderia digitar neste momento para definir o livro. Prepare-se para uma narrativa cheia de suspense, terror, fantasia, romance. Prepare-se para mergulhar em águas profundas da mente de alguém que vê o mundo de uma percepção completamente diferente da nossa.

"Gente morta, ideias mortas e supostamente momentos mortos nunca estão mortos de verdade e eles moldam cada momento de nossas vidas. Nós o ignoramos e isso os torna poderosos."

“E assim eu termino a resenha, ao som de ‘Song To The Siren, de Robert Plant’. Não preciso dizer que recomendo. Acredito que minhas palavras ao longo desta longa resenha seja um convite suficiente à vocês. Resta decidirem se aceitam ou não.” 

Eu digito.

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3 comentários ♥

  1. Olá, adorei a resenha e concordo com você: precisamos nos acostumar com o ritmo e a escrita do livro, aí sim a leitura flui. Vou deixar o link do meu blog, se quiser conferir a resenha que fiz desse livro. Aproveite também para participar do sorteio: todos os comentários em postagens de setembro e outubro estão concorrendo
    http://livroslapiseafins.blogspot.com.br/

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    1. Oi Diovana, obrigado pelo comentário.

      Que bom que gostou de nossa resenha. A Menina Submersa é realmente um livro incrível. E pode deixar que dou uma passada sim no seu blog.

      - Wesley

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  2. Olá, Wesley.
    Sua resenha ficou muito boa! Você soube captar bem a essência do livro.
    Li mês passado para o mês do terror, como é chamado outubro, e até fiquei postergando a leitura porque eu sou uma pessoa muito medrosa e fujo de livros desse gênero. Mas fiquei muito surpresa ao iniciar a leitura e me dar conta de que não era um livro de terror, está mais para um livro de suspense, um livro de fantasia e não senti mesmo, mas ficava ansiosa para saber o que ia acontecer toda vez que a Eva era citada.
    Achei fantástico a forma como a autora consegue fazer com que o leitor se sinta dentro da mente da personagem, especialmente naquele capítulo sete, em que a Imp tem a crise. Se é desesperador para mim, que sou uma pessoa "normal", fiquei imaginando como deve ser para as pessoas esquizofrênicas.
    Abraços.

    Minhas Impressões

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